quinta-feira, 21 de outubro de 2010

3ª Parte: Por que não vivemos para sempre?

SOBRE RATOS E HOMENS
ESSA NOÇÃO de restrição calórica – e a aparente capacidade que ela tem de aumentar a longevidade – chamou a atenção de pessoas que desejam viver mais. Humanos que passam fome na esperança de uma vida mais longa deveriam notar, porém, que nosso metabolismo lento é bem diferente daquele de organismos em que essa estratégia foi testada. 

Um grande aumento da longevidade realmente foi conseguido em vermes, moscas e ratos. Esses animais, com suas vidas curtas e rápidas, têm necessidade urgente de gerenciar seu metabolismo de modo a adaptá-lo rapidamente às circunstâncias diferentes. Nos vermes nematoides, por exemplo, a maior parte dos efeitos mais espetaculares sobre o tempo de vida resultou de mutações que evoluíram para permitir-lhes mudar seu desenvolvimento de uma forma resistente ao estresse quando se encontrassem em um ambiente hostil e provavelmente precisassem viajar muito para encontrar melhores condições de vida. Nós humanos, em todo caso, podemos não ter a mesma fl exibilidade na alteração de nosso controle metabólico. Efeitos imediatos, é claro, ocorrem em humanos que passam por restrições nutricionais voluntárias, mas só o tempo – e muitos anos de fome – dirão se elas têm algum impacto benéfi co sobre o processo de envelhecimento e, em particular, sobre a longevidade.

O objetivo da pesquisa gerontológica em humanos, no entanto, é sempre melhorar a saúde no fi nal da vida, e não permitir seu prolongamento indefi nido. 

Outro fato também está evidenciado: animais que tiveram suas vidas prolongadas também passaram pelo processo de envelhecimento. Ele ocorre porque os danos ainda se acumulam e, com o tempo, levam ao colapso das funções do corpo. Por isso, se quisermos que nosso fi m seja realmente melhor, precisamos procurar em outro lugar. Em particular, precisamos focar em descobrir como limitar ou reverter com segurança o acúmulo de danos que leva à fragilidade, à defi ciência e às doenças ligadas à idade. Esse objetivo representa um grande desafi o e demanda pesquisas interdisciplinares rigorosas. 

SEM RESPOSTAS SIMPLES
ENVELHECER É COMPLICADO. Afeta o corpo em todos os níveis, das moléculas às células e órgãos. Também envolve vários tipos de danos. E, apesar de ser verdade que, em geral, eles se acumulam com a idade e ocorrem mais devagar em alguns tipos de células que em outros (dependendo da efi ciência dos sistemas de reparos), ocorrem aleatoriamente e a extensão pode variar mesmo em duas células do mesmo tipo no mesmo indivíduo. Assim, todos envelhecem e morrem, mas o processo varia consideravelmente – confi rmando novamente que o envelhecimento não deriva de um programa genético que especifi ca a rapidez com que nos tornamos frágeis e morremos. Para entender o envelhecimento de maneira detalhada o bastante para intervir de modo preciso que suspenda ou retarde a morte de determinados tipos de células, precisamos saber a natureza dos defeitos moleculares que conduzem o processo em escala celular. Quantas dessas falhas devem ocorrer para que a célula deixe de funcionar? Quantas células defeituosas devem se acumular em dado órgão antes que ele dê sinais de doença? E se concordarmos que é mais importante mirar em alguns órgãos que em outros, como teremos a precisão necessária?


Pode ser possível combater o envelhecimento alterando mecanismos importantes que as células usam para reverter o acúmulo de danos. Uma forma como a célula responde a muitos problemas é simplesmente se matando. Em algum momento, os cientistas viram esse processo de suicídio celular, chamado apoptose, como prova de que o envelhecimento obedece a um programa genético. Em tecidos envelhecidos, a frequência com que isso acontece aumenta, e esse processo realmente contribui. Mas agora sabemos que ele age principalmente como um mecanismo de sobrevivência que protege o organismo contra células que poderiam causar danos, notavelmente algumas que se transformaram em malignas.

A apoptose ocorre mais em órgãos velhos porque suas células sofreram mais danos. Devemos lembrar, no entanto, que, na Natureza, é raro os animais chegarem à velhice. A apoptose evoluiu para lidar com as células danifi cadas nos órgãos mais jovens, quando muito menos delas teriam de ser eliminadas. Se muitas células morrem, o órgão começa a falhar ou se debilita. Então, ela é boa, quando exclui células potencialmente perigosas, e ruim, quando elimina muitas delas. A Natureza se importa mais com a sobrevivência dos mais jovens que com o declínio na velhice, então nem toda apoptose pode ser necessária no fi m da vida. Em algumas doenças, como no derrame, os pesquisadores esperam que, suprimindo a apoptose no tecido menos danifi cado, a perda de células resultante possa ser reduzida, ajudando assim na recuperação.

Em vez de morrer, as células danifi cadas, que normalmente conseguem se reproduzir, podem tomar uma atitude menos drástica e simplesmente parar de se dividir, destino conhecido como senescência celular. Há 50 anos, Leonard Hayfl ick, hoje na University of California em São Francisco, descobriu que as células tendem a se dividir um número defi nido de vezes – chamado limite de Hayfl ick – e depois param. Trabalhos posteriores mostraram que elas param quando os telômeros, que protegem as extremidades dos cromossomos, fi cam desgastados demais, mas outros detalhes desse processo continuam obscuros.



Recentemente, meus colegas e eu fi zemos uma descoberta emocionante: cada célula tem um circuito molecular bastante sofi sticado que monitora o nível dos danos em seu DNA e nas estruturas formadoras de energia chamadas mitocôndrias. Quando a quantidade de danos supera determinado ponto, a célula “trava” em um estado em que ainda consegue desempenhar funções úteis no corpo, mas não pode mais se dividir. Assim como com a apoptose, a inclinação da Natureza em favor da sobrevivência dos mais jovens provavelmente signifi ca que nem todos os travamentos são estritamente necessários. Mas para destravá-las, devolvendo-lhes a capacidade de se dividir, sem desencadear a ameaça de um câncer, precisamos compreender os detalhes do funcionamento da senescência celular.

A ciência complexa necessária para essa descoberta demandou uma equipe multidisciplinar, incluindo biólogos moleculares, bioquímicos, matemáticos e cientistas da computação, assim como instrumentos de ponta que fornecem as imagens dos danos nas células vivas. Ainda não sabemos aonde essas descobertas podem levar, mas é por meio de estudos desse tipo que podemos esperar encontrar novas drogas capazes de combater as doenças relacionadas à idade de formas completamente diferentes e, assim, encurtar o período de doenças crônicas experimentado no fi nal da vida. Por causa do grau de difi culdade desse tipo de pesquisa básica, muitos anos, talvez décadas, podem passar até que essas drogas cheguem ao mercado.

Usar a ciência do envelhecimento para melhorar o fi m da vida é um desafi o, talvez o maior ainda a ser encarado pela ciência médica. As soluções não virão facilmente, apesar dos argumentos usados pelos mercadores da imortalidade, para quem a restrição calórica ou os suplementos alimentares como o resveratrol podem permitir viver mais. A mais alta engenhosidade humana será necessária para superar esse desafi o. Acredito que podemos e iremos desenvolver tratamentos para facilitar nossos últimos anos. Mas, quando o fi m chegar, cada um de nós, sozinho, terá de se entender com nossa mortalidade. Ainda mais razão para se concentrar em viver – em aproveitar ao máximo o tempo que vivemos, porque nenhum elixir mágico nos salvará.

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